Entendo que as histórias sobre Sansão e Dalila (caps.13-16) enveredam, novamente, por trilhos tribais. Aqui temos narrativas sobre um representante de restos de clãs da tribo de Dã, que não acompanharam esta tribo em sua transferência para o extremo norte de Israel. Estes resíduos clânico-tribais não tinham nem o apoio de judaítas (ao sul), nem de efraimitas (ao norte) e nem dos filisteus (a oeste). No enclave entre estes grupos, lutam por sua sobrevivência na figura complexa de Sansão. As lutas e os amores de Sansão comovem quem lê. O anseio por autonomia, continuamente negada, também por Dalila, resulta em cenas libertárias que nos abrem sorrisos, mas também nos colocam diante da tragédia heroica deste Sansão que, mesmo preso e cego, destrói o templo idólatra de Dagon (veja cap.16). Este Sansão, em sua tragédia, não cabe do lado de Gideão e de Jefté, mas antes se assemelha às antigas tradições libertadoras e de libertadores! - Milton Schwantes
Palavras de Marilú Rojas, México
· A teologia não se libertou de uma visão kiryocentrista
· Patriarcalista.
Devemos perceber que a exclusão contra as mulheres é um problema trans-religioso, trans-teológico e trans-eclesial. Isso toca no âmbito político, social e econômico.
É possível recuperar, pelos relatos bíblicos, a força libertadora da atuação da mulher no seio social. Promover um ecofeminismo: harmonia com Deus e toda a criação, espiritualidade encarnada, solidaria ao clamor dos pobres.
A dominação não é algo natural.
Procura a lógica de viver bem (equilíbrio com o cosmo, dignidade em tudo que nos cerca).
Aproximando-se do texto de Jz 16
Sansão conhece Dalila - 4. Depois disso, Sansão enamorou-se por uma mulher do vale de Sorec, o nome dela era Dalila. 5. Os príncipes dos filisteus foram até ela e lhe disseram: “Seduza Sansão e veja por que sua força é grande, e como nós podemos dominá-lo e aprisioná-lo, e cada um de nós dará a você mil e cem moedas de prata”. 6. Dalila perguntou a Sansão: “Diga-me, eu lhe peço, de onde vem esta enorme força que você tem? Como alguém pode aprisionar e dominar você? 7. Sansão respondeu para ela: “Se me prendesse com sete cordas de arco fresca, sem que ainda tivessem sido postas para secar, eu ficaria fraco e seria parecido com qualquer outro homem”. 8. Os chefes dos filisteus levaram para Dalila sete cordas de arco frescas, sem que ainda tivessem sido postas para secar, e ela aprisionou Sansão com as cordas, 9. enquanto escondia alguns homens que espionavam no quarto. Dalila gritou para ele: “Sansão! Os filisteus vêm em sua direção”. Ele arrebentou as cordas de arco como se arrebentam fios de estopa chamuscados pelo fogo e não revelou o segredo de sua força.
10. Dalila disse para Sansão: “Zombou de mim, e me falou mentira. Agora, conta-me, por favor, como é possível amarrar você”. 11. Ele disse para Dalila: “Se me amarrassem com cordas novas que ainda não foram usadas nos trabalhos eu ficaria fraco e seria idêntico a qualquer outro homem”. 12. Dalila pegou cordas novas, com as quais ela o amarrou. Depois ela disse: “Sansão! Os filisteus vêm em sua direção”. Eis que ela escondeu alguns homens que espreitavam no quarto. Mas ele arrebentou as cordas sobre seus braços como se fossem linhas.
13. Dalila disse para Sansão: “Até agora você zombou de mim e me falou mentiras. Conte-me, por favor, como é possível amarrar você”. Ele respondeu: “Se você tecer sete tranças da minha cabeleira, sobre minha cabeça, com a urdidura de um tear e as fixar com um pino, eu ficarei fraco e serei idêntico a qualquer outro homem”. 14. Ela o fez dormir, teceu as sete tranças de sua cabeleira com a urdidura, apertou com um pino, e depois gritou: “Sansão! Os filisteus vem em sua direção”. Ele despertou do seu sono, retirou o pino do tear e a urdidura.
15. Então ela disse para ele: “Como pode dizer que me ama, se o seu coração não está comigo? Esta é a terceira vez que me enganou e não me disse de onde vem sua enorme força”. 16. Ora, aconteceu que, como ela o importunava todos os dias com suas palavras insistentemente, ficou ele sem alento, num desespero de morte, 17. e não se conteve, abrindo a ela todo o seu coração, dizendo: “A navalha nunca passou sobre minha cabeça, pois eu sou consagrado a Deus desde o ventre de minha mãe. Se cortarem os meus cabelos minha força desaparecerá de mim, ficarei fraco e serei como todos os homens”.
18. Dalila percebeu que ele lhe havia aberto todo o seu coração, e mandou chamar os príncipes dos filisteus dizendo: “Desta vez ele me abriu todo o seu coração”. Os príncipes dos filisteus subiram tendo em suas mãos a prata prometida. 19. Ela o fez dormir sobre seus joelhos e mandou chamar um homem que cortou as sete tranças da sua cabeça. Ele começou a enfraquecer-se e sua força se esgotou. 20. Dalila gritou: “Sansão! Os filisteus vem em sua direção”. Ele despertou de seu sono e disse a si mesmo: “Sairei desta, como me livrei das outras vezes”. Mas ele não sabia que Javé havia se retirado de sua companhia. 21. Os filisteus o capturaram e vazaram seus olhos. Desceram com ele em direção a Gaza onde o prenderam com duas correntes de bronze. Na prisão girava a mó de moinho.
Vingança e morte de Sansão - 22. Mais tarde, seus cabelos começaram a crescer, depois que lhe haviam raspado a cabeça.
23. Os príncipes dos filisteus se reuniram para oferecer um grande sacrifício a Dagon, seu deus. E para se alegrarem, diziam: “Nosso deus entregou em nossas mãos Sansão, o nosso inimigo”. 24. Assim que o povo viu Sansão, começou a louvar o seu deus dizendo: “Nosso deus entregou em nossas mãos nosso inimigo que devastou nossas terras e a muitos de nossos homens fez cair morto”.
25. Como os corações deles já estavam bem alegres, disseram: “Mandem vir Sansão a fim de que ele nos alegre”. Mandaram buscar Sansão na prisão e ele dançava diante deles. Em seguida o colocaram de pé entre as colunas. 26. Sansão disse ao rapaz que segurava firme a sua mão: “Deixe-me tocar as colunas que sustentam o edifício, a fim de que eu possa descansar um pouco”. 27. A casa estava repleta de homens e mulheres. Lá, estavam também, todos os príncipes dos filisteus, e sobre o terraço, aproximadamente três mil homens e mulheres que observavam as brincadeiras feitas por Sansão. 28. Então Sansão invocou a Javé dizendo: “Senhor Javé, lembre-se de mim. Dê-me, mais uma vez, forças, ó Deus, a fim de que eu possa me vingar dos filisteus, pela perda dos meus dois olhos”. 29. Sansão apalpou as duas colunas centrais que sustentavam a casa, apoiando-se numa com o braço direito e na outra com o braço esquerdo. 30. Sansão disse: “morra eu com os filisteus!”. Ele balançou as colunas com toda a sua força que a casa veio abaixo, caindo em cima de todos os príncipes e de todo o povo que ali se encontrava. E os que ele fez morrer, com sua morte, foram muito mais do que os que ele havia matado em vida. 31. Em seguida, os irmãos e todas as pessoas da casa do pai dele, desceram e levaram o corpo. Subiram e o sepultaram entre Saraá e Estaol, no túmulo de Manué, o pai dele. Ele julgou Israel durante vinte anos.
Comentando o texto [1]:
O lendário e heróico juiz Sansão
Expulsos após tentar invadir o país pelo imperador Ramsés III do Egito (1196-1165 a.C), os Filisteus se instalaram na região litorânea da Palestina e tornaram-se uma constante ameaça aos povos vizinho. Sansão, cujo nome em hebraico significa “pequeno sol”, é convocado para lutar contra essa nação inimiga. A lenda deste personagem, juiz da tribo de Dã, norte de Israel, é repleta de proteção divina, coragem, heroísmo e atitudes risonhas. No pós-exílio a proibição de casar com estrangeiro foi utilizada como meio de legitimar a pureza de Israel (Gn 34,13-15; Ez 18,5-9; Esd 10,3-6).
14: Sansão se casa com uma filisteia
Em um enredo unindo amor, dinheiro e traição Sansão torna-se refém dos Filisteus, após ter revelado a origem de suas forças à estrangeira Dalila, terceira mulher amada por ele. Num jogo de interesse envolvendo dinheiro e poder, revela o segredo de sua força: “A navalha não passará sobre sua cabeça, porque será consagrado a Deus, desde o ventre materno” (13,5). Dalila, como outras mulheres na historiografia deuteronomista, atua em defesa do ambiente tribal (Js 2,1; Jz 4; Jz 19; 1Sm 2; 1Rs 17,1-16; 2Rs 4,1-41). Recorrer ao poder sedutor feminino é uma característica do predomínio androcêntrico na redação das novelas bíblicas (Jd 11; Est 5, Dn 13).
As somas das tradições em torno de Sansão deram força e significado ao personagem que luta em defesa de Israel. Embora tenha ódio dos filisteus, Sansão rompe com a tradição tribal (Ex 34,16; Dt 7,3), e casa-se com a mulher dos inimigos. Eis um típico recurso literário no desejo de engrandecer a astúcia de quem atua em nome de Javé.
Sansão e as raposas
Lequi, como lugar de concentração dos Filisteus, é desconhecida (cf. 2Sm 23,11). As lendas não poupam ocasiões em narrar ações contra os inimigos de Israel. O resultado dessa desavença resulta na queima dos campos, o que leva Sansão ser declarado juiz em Israel (Jz 15).
Em um enredo unindo amor, dinheiro e traição Sansão torna-se refém dos Filisteus, após ter revelado a origem de suas forças à estrangeira Dalila, terceira mulher amada por ele. Seu último ato heróico foi imolar-se em um gesto final capaz de garantir a vitória sobre os inimigos de Israel.
Dalila:
1. Uma mulher estrangeira,
2. Sansão é “seduzido” por Dalila,
3. Sua arma é seu charme sensual e sua retórica,
4. Toda a sabedoria, força e inspiração divina de Sansão é nada diante da perspicácia feminina,
5. Essa mulher o coloca em posição de perigo, ao ponto de destruí-lo materialmente,
6. Ela atua em lealdade ao seu grupo familiar,
7. Para o autor, a mulher deve assumir os interesses do marido. Nesse caso Dalila deve esquecer seu patriotismo de origem.
8. Falta de devoção familiar pode levar à anarquia e destruição de toda a família e ordem social,
9. A comunidade tem uma grande perda, e Sansão que deveria escolher com sabedoria, paga com sua própria vida pelo erro fatal.
Ceder a seu charme coloca em perigo a estrutura da sociedade, bem como da vida e bem-estar do indivíduo e do grupo. Portanto, deve ser evitada (seus pais estavam certos). Dalila fica com o estereótipo de uma “sedutora” negativa.
[1] BRENNER, Athalya, A mulher Israelita: papel social e modelo literário na narrativa bíblica. São Paulo, Paulinas, 2001, p. 163-68
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Notas/ITESP – Lit. Deuteronomista – Frizzo – Maio/2017
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