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Ascensão de Davi

Atualizado: 21 de mar. de 2022


Foto: Portão de Gezer, com seis câmaras, que por muito tempo foi atribuído a Salomão. Crédito: María Luján.

Ascensão de Davi

Os livros de história de Israel costumam apresentar Davi como sendo o sucessor de Saul, porém isso não é verdade. Davi não pertence à casa de Saul, mas à casa de Jessé, um renomado ancião de Belém, uma aldeia que ficava a oito km de Jerusalém. Jessé é da tribo de Judá, portanto, Davi não é benjaminita, como Saul. Além do mais, quando Davi, o filho mais novo de Jessé, é ungido (1Sm 16), Saul ainda vive. Esse fato só é consumado em 2Sm 2,4, onde Davi é ungido rei em Hebron pelos homens de Judá, e em 2Sm 5,2, onde é ungido rei pelos anciãos de Israel.O sucessor de Saul por direito deveria ser Jônatan, o filho mais velho de Saul. Aparentemente a relação entre Davi e Jônatan é muito boa. Mais do que isso, são conhecidas as passagens que falam do amor entre ambos (cf. 2Sm 1,17-27). Em outras oportunidades Jônatas aparece como mediador entre Saul e Davi, mas sempre intercedendo por esse. Em nenhum momento se faz menção de alguma intriga entre os dois na disputa pelo trono. Ao contrário, não faltam oportunidades onde Jônatas passa esse direito a Davi (cf. 1Sm 18,4; 20,13). Porém, em 2Sm 16,5-14 tem uma cena curiosa.Durante a revolta de Absalão, Davi é obrigado a fugir de Jerusalém e durante a fuga tem um inesperado e desagradável encontro com Semei, um remanescente da casa de Saul. Ao ver Davi, Semei começou atirar pedras e a proferir maldições contra Davi com as seguintes palavras:

“Vai embora, fora daqui, homem sanguinário, homem perverso. Javé fez recair sobre você todo o sangue da casa de Saul, cujo reino você usurpou. Javé entregou o reino nas mãos de seu filho Absalão. Eis que agora você está na desgraça, pois você é um homem sanguinário” (2Sm 16,7b-8).

Esta passagem parece desvelar o que as narrativas bíblicas tentam encobrir. Davi é acusado por Semei de homem sanguinário e perverso e de ter usurpado o reino. É provável que esse texto seja de uma fonte do norte. Em 1Rs 2,8-9 Salomão é aconselhado por Davi a matar Semei.

Devido a essa situação dúbia do direito de sucessão de Davi, a narrativa bíblica ao longo do livro de Primeiro Samuel mostra uma forte preocupação em justificar a chegada de Davi ao poder. A expressão mais comum que se utiliza é: “Javé estava com Davi”. Em contrapartida, Saul é abandonado por Javé.Sem a presença de Javé, um espírito impuro se apossa de Saul, que só pode ser acalmado por um tocador de harpa e possuidor do Espírito de Javé (cf. 1Sm 16,14-23). Assim, Davi é habilmente introduzido na corte de Saul (cf. Ex 2,1-10; Gn 39,1-6).

Outra tradição que versa sobre a entrada de Davi na corte de Saul acontece via estória da luta de Davi com Golias (1Sm 17,1-58). Novamente Davi é contemplado porque deposita sua confiança em Javé. É possível que esta fosse uma estória que se contava e recontava nas aldeias, pois tem como mensagem a vitória do fraco sobre o poderoso. Mais tarde ela foi apropriada pela casa davídica e atribuída a Davi. Uma confirmação dessa hipótese encontramos em 2Sm 21,19, ali é Elcanã quem mata Golias de Gat e não Davi.

Uma vez na corte, começam as intrigas entre Davi e Saul na disputa pelo poder. Davi é amado por todos enquanto Saul é odiado (cf. 1Sm 18,6-16).A tensão fica insustentável, ao ponto de Davi ser obrigado a fugir. Nessa fuga ele é auxiliado por Jônatas, Micol, Samuel e Aquimelec.

Davi era um oficial do exército de Saul que conspirou contra o seu rei. Não podendo fazer frente ao seu antigo rei, Davi obrigado a fugir para o deserto onde forma um bando com pessoas endividadas que viviam à margem da sociedade (cf. 1Sm 22,1-8). Portanto, o conflito se amplia: de um lado se encontra Saul com um exército e do outro está Davi com um bando mercenário mantido com tributos e saques (cf. 1Sm 25; 27,5-12). É possível que desse meio, no deserto e ao lado dos excluídos, dos sem-terra, que nasceu a história popular de um herói chamado Davi. História essa que foi ganhando corpo até se transformar em lenda.

Saul começa uma forte perseguição a Davi, que busca apoio nos filisteus, arquiinimigos de Israel (cf. 1Sm 21,11-16; 27,1). Começa, então, a relação dúbia de Davi com os filisteus, ora está a seu serviço, hora está contra eles (cf. 1Sm 23,1-13; 27). Chama a atenção que na batalha de Israel contra os filisteus, na qual Saul e seus filhos perdem a vida, Davi está do lado dos filisteus (cf. 1Sm 27,1-28,2). Porém, antes da batalha iniciar, na planície de Jezrael, junto ao monte Gelboé, Davi se retira (1Sm 29). Com isso ele não é culpado da morte de Saul, apesar de ser o mais favorecido. Os filisteus matam Saul e penduraram seu corpo na muralha de Betsã. O interessante é que a narrativa sinaliza que os habitantes de Jabes de Galaad é que resgatam o corpo de Saul (1Sm31). Possivelmente por causa de sua estreita relação com a realeza Israel, apesar de não ser território israelita.

Assim termina o que podemos chamar de fase inicial do pequeno reino de Israel, que deve ser localizado no planalto entre Benjamim e Efraim. Posteriormente se estendeu na direção de Jabes de Galaad, na Transjordânia, provavelmente, porque não podia se estender em direção ao oeste por causa da presença filisteia. É difícil saber o que é histórico em tudo isso, devido ao fato do material bíblico que temos em mãos ser bem posterior aos acontecimentos narrados. Somam-se a isso as ideologias da casa davídica e posteriormente sacerdotal que encobrem fontes primitivas que aqui e ali trazem uma tênue memória das origens da monarquia em Israel.

3.3.1) Os feitos de Davi

Com a morte de Saul pelos filisteus, Davi começa a ganhar terreno. Certamente, no início e, possivelmente em todo seu reinado, Davi foi um vassalo dos filisteus. Seu pequeno reino começa em Siceleg, que tinha recebido dos filisteus (cf. 1Sm 27,5-7), e se estende até Hebron, onde é ungido rei sobre a casa de Judá (2Sm 1-4). Em Hebron, Davi vai reinar sete anos e dois meses.

Ao mesmo tempo em que Davi é feito rei sobre Judá, o filho de Saul, Isbaal (homem de Baal), cognominado Isboset (homem da vergonha), é feito rei sobre todo Israel em Maanaim, na região de Galaad (2Sm 8-11). Isso quer dizer que a casa de Saul continua a reinar, provavelmente também subjugado pelos filisteus, por quem fora derrotado na guerra que resultou na morte de Saul e Jônatan. Há, portanto, dois pequenos reinos coexistindo na região: um estabelecido em Hebron e outro na rica região de Galaad. Conforme nos conta a Bíblia, a disputa entre os dois reinos termina com a morte, primeiro de Abner, chefe do exército de Saul (3,22-27), e depois de Isbaal, filho de Saul (cf. 2Sm 4,1-12). Há que se mencionar que Davi sempre é inocentado das mortes dos seus inimigos (cf. 2Sm 3,28.37). Após a morte de Isbaal, Davi é ungido rei pelas tribos sobre todo Israel (cf. 2Sm 5,1-5). Não devemos entender isso como o domínio sobre toda a região que tradicionalmente é atribuída às doze tribos de Israel, que vai de Dã a Bersabeia e de Galaad ao mar mediterrâneo. Não podemos esquecer que a base do reinado de Davi está restrita à árida região que fica entre Siceleg e Hebron, na fronteira do deserto de Judá.

Um passo importante para a consolidação do pequeno reino de Davi parece ter sido a conquista da cidade jebusita de Jerusalém (2Sm 5,6-10). Esta cidade fica mais ao norte de Hebron, já mais em direção à região fértil, mas ainda montanhosa. Nela a dinastia davídica vai fincar raízes. Um texto base, que pode ser considerado fundante da dinastia davídica, é 2Sm 7.

Portanto, temos duas tradições diferentes na base da formação do reino de Judá: uma situada em Hebron e outra em Jerusalém.

Hebron fica a 31 km ao sul de Jerusalém. Conforme Gn 23,2; 35,27, a antiga cidade de Hebron se chamava Cariat Arba, talvez em referência às montanhas que cercam a cidade. Para Nm 13,22, a cidade foi fundada sete anos antes de Tânis, que era a antiga capital dos hicsos conhecida por Zoan. Na tradição bíblica, Hebron tem uma estreita relação com os patriarcas e matriarcas de Judá e Israel, tanto que suas tumbas se encontram ali (cf. Gn 23,19; 49,29-31).

Da Jerusalém antiga não existem muitas informações. Nas cartas de Amarna (séc XIV a.C.) há uma referência a uma cidade chamada Urusalim, governada pelo rei Abdu-Heba, que escreve ao faraó pedindo ajuda para combater os Habirus. Gn 14,18-20 faz menção a uma localidade de nome Salem, que era governada pelo rei Melquisedec, que pode tratar-se de Jerusalém. Em Js 10,1-27 vemos Josué conquistando Jerusalém ao derrotar uma coligação de cinco reis, entre eles o rei Adonisedec de Jerusalém. No entanto, como vimos acima, os Jebuseus ainda continuam habitando nela quando Davi a conquistou e a transformou em capital do seu reinado. A conquista prova que Jerusalém não pertenceu desde sempre a Judá. A aparente fácil conquista da cidade por Davi e os seus pode indicar a pouca importância que Jerusalém tinha naquela época. De fato, os vestígios arqueológicos de Jerusalém do tempo de Davi, localizada fora da atual muralha da cidade antiga, revelam uma cidade muito pequena.

Mais tarde, as tradições de Hebron e Jerusalém vão protagonizar um forte conflito na disputa pelo poder em Judá. O grupo ligado a Hebron (2Sm 3,2-5) se identificará mais com o modo de vida tribal e com as tradições de Silo, enquanto que o grupo de Jerusalém (2Sm 5,13-16; 1Cr 3,1-4) estará identificado mais com o sistema da cidade-estado (cf. 1Rs 1-2). Outro distintivo são os nomes dos sacerdotes: Abiatar de Hebron, cuja raiz é Javé; e Sadoc de Jerusalém, cuja raiz é sedeq (justiça). Ambos irão protagonizar o conflito religioso em Jerusalém (cf. 1Rs 1-2).

O que passou nessa época com Israel, norte (Efraim e Manassés), não sabemos. Temos pouca informação sobre essa região após a morte de Saul. Os relatos bíblicos concentram suas informações sobre Judá e a capital Jerusalém. Somente a partir de mais ou menos 930 a.C., com Jeroboão I, é que voltamos a ter notícias sobre o norte. Esse período começa com o episódio conhecido como o cisma dos dois reinos (cf. 1Rs 12-13). Só que aí, já temos um Israel, norte, bem mais desenvolvido que Judá, sul.


3.3.2) A arca em Jerusalém

Após conquistar Jerusalém, Davi e seus sucessores, todos da mesma casa, precisam dar à cidade um sentido místico para que o povo a reconheça como capital do pequeno reino. Ou seja, a casa davídica almeja transformar Jerusalém no centro político e religioso de Judá. Esse fato não seu deu do dia para noite, mas foi um processo que durou séculos. Um episódio que pode ser apontado como início dessa transformação é a transferência da arca de Deus do santuário popular de Silo para Jerusalém (cf. 1Sm 4–6). Com essa mudança de local, a arca de Deus deixa de ser símbolo da presença de Javé em meio às tribos, para ser sinal do poder do rei e do sacerdote sobre o povo. Os santuários do interior vão perdendo importância e a religião passa a ser centralizada em Jerusalém, no palácio e no templo. Assim, também, a compreensão de um Javé que caminha com seu povo e a quem todos têm acesso vai se transformando em Javé dos exércitos, temível e que ninguém pode tocar, sob pena de morte. Essa teologia ganha força excepcionalmente no pós-exílio (cf. Ex 25,10-16; Lv 17; Nm 4,5-20).

O interesse e a necessidade pela centralização da religião se fazem sentir mais forte no reinado do rei Josias (640-612 a.C.), cuja mão certamente está por trás desses textos. Com o fim de Israel, norte, após a tomada da Samaria pelos assírios, em 722 a.C., Josias começa a expandir seu domínio a partir de Jerusalém. Porém, mesmo com a destruição da capital Samaria, o povo continua freqüentando os santuários de Israel, norte, principalmente Betel (cf. 2Rs 23), o que dificultava o domínio sobre a população. Josias, então, arquiteta um plano para tirar a importância desses santuários e concentrá-la no templo de Jerusalém.

Olhando o aspecto positivo, se assim podemos dizer, da incorporação da religião popular pelo estado em Jerusalém, temos que admitir de que o estado foi obrigado a reconhecer seu valor, pois se dá conta de que sem ela não pode governar. Ou seja, a religiosidade popular, ainda que encampada e modificada pelo poder, ao ser institucionalizada é reconhecida e valorizada. E, dessa maneira, muitos de seus valores são “eternizados” e transferidos às gerações futuras por meio da escrita.

Não sabemos a extensão que alcançou o reinado de Davi. Pelas escavações arqueológicas e pelas informações contidas nas entrelinhas das narrativas bíblicas, não parece e não pode ter sido grande. Se analisarmos o corpo burocrático do reino de Davi, percebe-se uma organização que não pode ainda ser comparada a um estado: um comandante do exército, um oficial para cuidar da guarda pessoal do rei, um funcionário que organizava a corvéia, um arauto e três sacerdotes (cf. 2Sm 8,15-18; 20,23-26).


3.4) A fabulosa história de Salomão

Depois da morte de Adonias, Joab e Simei, e do exílio de Abiatar “a realeza se consolidou nas mãos de Salomão” (1Rs 2,46b). A partir daí a literatura bíblica construiu um império fabuloso para Salomão, que por muito tempo foi lido como histórico. Salomão não só teria consolidado o domínio de Judá sobre todas as tribos de Israel, mas teria reinado sobre todos os reinos, desde o rio Eufrates até a fronteira do Egito, e todos os reis lhe pagavam tributo:

“E Salomão reinou sobre todos os reinos, desde o rio (Eufrates) até os filisteus e até a fronteira do Egito. Traziam-lhe tributo e serviam a Salomão todos os dias da sua vida... pois, dominava sobre todo o lado do rio (Eufrates), desde Tifsá até Gaza, sobre todos os reis do lado do rio (Eufrates). E havia paz para ele em todos seus arredores” (1Rs 5,1.4).

Salomão teria se casado com a filha do Faraó do Egito (1Rs 3,1), o maior império que Israel conheceu; construído o templo de Jerusalém, para o qual teria mobilizado centenas de milhares de operários ao trabalho forçado para cortar o cedro do Líbano e blocos de pedra (cf. 1 Rs 5,27-32); construído um palácio sem igual, com um trono de ouro maciço; teria tido setecentas mulheres princesas e trezentas concubinas (1Rs 11,1-4), e se tornado o mais rico dos homens. Os escudos dos seus soldados eram de ouro, assim como os utensílios da cozinha. Nada era de prata, pois “a prata era tão comum em Jerusalém como as pedras” (1Rs 10,27).

Salomão também teria sido o mais sábio dos homens: “Sua sabedoria era maior que a de todos os filhos do Oriente e maior que toda a sabedoria do Egito. Foi mais sábio que qualquer homem... Falou três mil provérbios e mil e cinco cantos” (1Rs 5,10-12). De todas as nações vinham pessoas para ouvir sua sabedoria (1Rs 5,14). É daí que nasce a fama que transforma Salomão no pai da literatura sapiencial, a quem todos os livros desse gênero na Bíblia devem ser atribuídos. Não só livros, mas também estórias de sabedoria popular, como o caso das duas mulheres que disputavam a guarda do filho (1Rs 3,16-28).

No entanto, não há como não negar que as dimensões da riqueza, dos tributos, da corvéia, do poderio militar, da frota de navios estão completamente fora da realidade de Israel. Na base está a referência da atividade comercial que na época a Assíria mantinha com a Fenícia, Egito, Arábia, Índia, Damasco e toda Mesopotâmia. Assemelham-se, particularmente, aos padrões persas. Do Eufrates até o Egito foi até onde alcançaram os impérios assírios e persas. Inclusive, a expressão “do lado do rio” (a Transeufratênia) é uma expressão tipicamente persa, usada para designar o território do outro lado do rio Eufrates (cf. Esd 7,21). Pesa também contra a veracidade histórica o fato de que, apesar de ter adquirido tanto poder, riqueza e fama, Salomão não é mencionado em nenhum texto extra-bíblico, do Egito ou da Mesopotamia.

Esta mesma interpretação deve ser feita ao se abordar a sabedoria de Salomão. Bem mais, trata-se da disputa entre a teologia de Israel e a sabedoria do Oriente e do Egito, e posteriormente a sabedoria grega. Para Israel, toda a sabedoria vem de Javé (cf. Pr 8,22-31; Eclo 24; Sb 7-9). O fato de Salomão receber a sabedoria de Javé (cf. 1Rs 5,9), esse homem tem ser o mais sábio dos reis.

A incógnita que pesa sobre a riqueza e a sabedoria pesa também sobre as construções de Salomão, particularmente sobre o templo e o palácio (cf. 1Rs 3,2). Por mais que se tenha escavado incansavelmente em Jerusalém, em volta do monte do templo, a procura destas obras, a arqueologia não tem encontrado, até o presente momento, sinais do fabuloso templo de Salomão e do seu palácio. Fato que tem levado um grande de número de historiadores a duvidarem de que algum dia tenham realmente existido. Não encontrando sinais de Salomão em Jerusalém, os arqueólogos foram buscá-los fora da capital. De modo que, em meados do século XX, quando a arqueologia estava em pleno progresso, foram encontrados construções gigantescas com arquitetura parecidas em três grandes sítios arqueológicos de Israel. Os sítios eram: Meguido, Hazor e Gezer. Curiosamente, conforme o relato bíblico, Salomão teria reconstruído as cidades desses sítios: “Com a questão da corvéia que impôs, o rei Salomão construiu o templo de Javé, o seu palácio, o Melo e a muralha de Jerusalém, bem como, Hazor, Meguido e Gezer” (1Rs 9,15). Para os arqueólogos que escavaram estes sítios, não restava dúvida, as construções encontradas erram do rei Salomão. O destaque ficava por conta de três portões que constavam ser de meados do século X, período do reinado de Salomão. Cada portão havia sido construído num mesmo e único estilo: com seis câmaras. Essas descobertas bastaram para dar vida ao reinado de Salomão.

Porém, no final do século XX da nossa era, com os avanços da arqueologia que lançou mão de novas técnicas que possibilitavam uma avaliação mais precisa da idade das construções, chegou-se à conclusão de que os portões, palácios e templos de Meguido, Hazor e Gezer pertenciam a um período mais tardio, aproximadamente a um século depois, por volta de 860 a.C. Concluiu-se, portanto, que as obras não haviam sido feitas por Salomão, mas por Acab, o rei que reinou em Israel, norte, entre os anos 873 e 852. Enterrando-se, assim, os fundamentos sobre os quais o insólito reino de Salomão estava construído.

Os estudos literários e as descobertas arqueológicas levaram os estudiosos a concluírem que o império imaginário de Davi e principalmente de Salomão foi obra de um monarca chamado Josias (640-609). Josias era da casa davídica, e como veremos mais adiante, tinha grandes pretensões expansionistas. Para fundamentar suas aspirações, Josias construiu um passado glorioso que servisse de fundamento ideológico para o emergente estado de Judá. Uma passagem que mostra claramente que a mão de redatores da corte de Josias está por trás das narrativas históricas encontra-se em 1Rs 13,1-2s.:

Eis que um homem de Deus veio de Judá com a palavra de Javé a Betel, quando Jeroboão estava de pé sobre o altar para queimar incenso. E gritou contra o altar com a palavra de Javé e disse: ‘altar, altar, assim diz Javé: eis que um filho vai nascer para a casa de Davi, Josias será o seu nome. Ele oferecerá em sacrifício sobre ti os sacerdotes dos lugares altos, aqueles que queimam incenso sobre ti. E ossos humanos queimará sobre ti...’

De fato, o que prediz em Betel o homem de Deus vindo de Judá era o que Josias estava realizando em Jerusalém e arredores: centralizou o culto no templo de Jerusalém, destruiu os lugares altos, pequenos santuários, do interior de Judá e imolou sobre os altares os sacerdotes que ali atuavam, boa parte deles eram levitas (cf. 2Rs 23,15-20). Recebe especial atenção o altar de Betel, que como veremos, era o principal concorrente do templo de Jerusalém (cf. Am 7,10-13). O culto a outros deuses será tão prejudicial que a ele será atribuído a causa da queda do império salomônico (1Rs 11,4-8). Assim, também, os cultos nos lugares altos praticados por Jeroboão e sua dinastia, bem como os sacerdotes desses santuários, serão os culpados pela destruição da Samaria em 722 a.C. (cf. 1Rs 13,33-34). Portanto, o recado está dado: para preservar a unidade do reino será essencial extinguir o culto nos santuários fora de Jerusalém.

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Notas/ITESP – Relatos sobre Davi – Frizzo - 2018

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