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A História Deuteronomista (HD) [1]

Atualizado: 22 de mar. de 2022


Foto: Muro do período israelita , Tel Dan. Crédito: María Luján.

A obra HD é por demais complexa. Esta obra abarca os livros de Js, Jz, 1 e 2 Rs e 1 e 2 Sm. Ela contém fatos e textos de épocas diferentes que passaram por inúmeras releituras. Fatos da época tribal, antigas histórias são contadas e recontadas no ambiente da corte, especialmente no reino do Norte, sobretudo com o profeta Eliseu, que se tornou conselheiro do rei (2Rs 13,14-19). Com a guerra siro-efraimita (735-734) e a queda da Samaria (722), muitas tradições migram para o Sul. Neste período o rei Ezequias (727-698 a.C), aproveita a debilidade do império Assírio começa sua reforma política e religiosa para unir os reinos de Judá e Israel. Sua meta foi centralizar e identificar todo o reino a partir de Jerusalém (cf. 2Cr 31; 2Rs 18-20).

As tradições vindas do norte foram reelaboradas considerando o projeto de Ezequias. Os escribas da corte, chamados mais tarde de “deuteronomistas” organizaram um vasto material recebido dentro do objetivo da teologia davidista de dar sustentação ao rei. Para essa corrente de pensamento Javé é Deus único, patrono da dinastia davídica e o rei é filho de Deus, o intermediário entre Deus e o povo. A aliança entre Davi e Deus tornou-se o modelo de aliança entre Javé e Povo.

A reforma de Ezequias foi interrompida com a invasão de Sanaquerib (701 a.C.). Mais tarde, o rei Josias (640-609 a.C.), aproveitando um vácuo no cenário internacional, já que a Assíria estava em declínio e Babilônia ainda não havia emergido como uma grande potência. A base, o elemento motivador dessa reforma foi a descoberta do livro do Deuteronômio (12-26). Josias faz de Jerusalém o grande centro político-religioso.

Para respaldar, ou em outras palavras, forjar uma justificativa ideológica os teólogos da corte começam a escrever a história do povo na ótica da teologia davídica. É a chamada redação josiânica da HD. Tudo foi redigido para mostrar a sobrevivência de Judá, graças à fidelidade de Javé com a aliança com Davi. E seus descendentes (2Sm 7). Josias é apresentado como um rei piedoso, que seguiu em tudo “seu pai Davi” (2Rs 22,1-2). A redação josiânica insiste em que Jerusalém é o lugar escolhido como habitação de Javé (2Rs 22-23). A dinastia davídica entra em plena expansão, pois esta, segue os caminhos de Javé.


Exílio Babilônico:

O exílio marcou o fim de um grande sonho: um estado forte e grande. Vale a pena ler os livros de Jeremias e suas Lamentações. Tudo que era sólido se desfez (Lm 5,20; Jr 10,14). Mas porque Israel passou por tantas e difíceis provações? Os redatores elaboraram uma segunda redação dos textos que chamamos de SHD (Segunda redação da História Deuteronomista). Nasce uma redação exílica. A causa motivadora de tal situação foi infidelidade do povo. Novos deuses, não cumprimento da lei, não arrependimento (1Rs 11,1-13).

Vale ter tais momentos em mente. O texto que iremos ler conta história do ano 1000 a.C., escrita por volta de 620 a.C. Fazem parte de uma obra reelaborada no período do exílio (587-538 a.C.), e concluídos no pós-exílio no tempo de Esdras e Neemias (400 a.C.).

Na redação josiânica, favorável à dinastia davídica, a história de Samuel (1-7) mostra a angústia do povo que vê ruir o sonho de uma sociedade tribal, numa espera longa e ansiosa por um messias-rei e libertador de Israel, defensor dos pobres (2,10). Não é em vão que Samuel é um menino nascido por graça divina, com vocação profética e sacerdotal. Tudo acena em direção à monarquia davídica (16,12).


Texto de 1Samuel 1,1-28.

Introdução: A esterilidade na Bíblia

1. Fertilidade como benção divina, em todas as culturas (Gn 1,28; 9,7). Um dos pilares da ordem no mundo,

2. Esterilidade: um elemento observável: tensão entre vida e morte,

3. Esterilidade primordial: Terra árida e vazia (Gn 1,2; 2,5),

4. Esterilidade gratuita: Sara (Gn 11,30; 16,1; 18,1-15; 21,1-6), Rebeca (25,21), Raquel (29,31; 30,24), Mulher de Manué (Jz 13,1), Ana (1Sm 1-2) e a Sunamita (2Rs 4,8-17),

5. Esterilidade como (ausência de filhos), instrumento político- teológico: Micol (2Sm 6,23),

6. Esterilidade como castigo por pecado (Lv 20, 20-21; Jó 18,19; Os 9, 10-18; Pr 30, 15-16; Is 14,22),

7. Esterilidade com castigo coletivo: a Casa de Abimelec (Gn 20,17-18),

8. Esterilidade da terra como maldição: (Lv 26,20); ausência de esterilidade nos ventres como bênção: Ex 23,26; Dt 7,14,

9. Esterilidade no tempo de desenraizar: Ecl 3,2.

Todos os modos de esterilidade que figuram na Bíblia compartilham um denominador comum: a sua origem divina. A Bíblia é inequívoca quanto ao postulado teológico de que toda esterilidade é criada por Deus e só pode ser redimida por Deus. Ainda que encerre propriedades de improdutividade, fraqueza e morte, as quais são consideradas valências negativas, a esterilidade bíblica não é um círculo fechado, mas um terreno aberto à potencialidade, no qual a revelação divina ocorre. A divindade revela-se por meio da e na esterilidade; cria vida, tendo a morte como auxiliar. A Bíblia apresenta a esterilidade como estado transitório, campo para as transformações, individuais e corporadas, de status. (CHWARTS, 2004,21).

1:1 Houve um homem de Ramataim-Zofim, da região montanhosa de Efraim, cujo nome era Elcana, filho de Jeroão, filho de Eliú, filho de Toú, filho de Zufe, efraimita.

2. Tinha ele duas mulheres: uma se chamava Ana, e a outra, Penina; Penina tinha filhos; Ana, porém, não os tinha.

3. Este homem subia da sua cidade de ano em ano a adorar e a sacrificar ao SENHOR dos Exércitos, em Siló. Estavam ali os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias, como sacerdotes do SENHOR.

4. No dia em que Elcana oferecia o seu sacrifício, dava ele porções deste a Penina, sua mulher, e a todos os seus filhos e filhas.

5. A Ana, porém, dava porção dupla, porque ele a amava, ainda mesmo que o SENHOR a houvesse deixado estéril.

6. (A sua rival a provocava excessivamente para a irritar, porquanto o SENHOR lhe havia cerrado a madre.)

7. E assim o fazia ele de ano em ano; e, todas as vezes que Ana subia à Casa do SENHOR, a outra a irritava; pelo que chorava e não comia.

8. Então, Elcana, seu marido, lhe disse: Ana, por que choras? E por que não comes? E por que estás de coração triste? Não te sou eu melhor do que dez filhos?

9. Após terem comido e bebido em Siló, estando Eli, o sacerdote, assentado numa cadeira, junto a um pilar do templo do SENHOR,

10. levantou-se Ana, e, com amargura de alma, orou ao SENHOR, e chorou abundantemente.

11. E fez um voto, dizendo: SENHOR dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao SENHOR o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha.

12. Demorando-se ela no orar perante o SENHOR, passou Eli a observar-lhe o movimento dos lábios,

13. porquanto Ana só no coração falava; seus lábios se moviam, porém não se lhe ouvia voz nenhuma; por isso, Eli a teve por embriagada

14. e lhe disse: Até quando estarás tu embriagada? Aparta de ti esse vinho!

15. Porém Ana respondeu: Não, senhor meu! Eu sou mulher atribulada de espírito; não bebi nem vinho nem bebida forte; porém venho derramando a minha alma perante o SENHOR.

16. Não tenhas, pois, a tua serva por filha de Belial; porque pelo excesso da minha ansiedade e da minha aflição é que tenho falado até agora.

17. Então, lhe respondeu Eli: Vai-te em paz, e o Deus de Israel te conceda a petição que lhe fizeste.

18. E disse ela: Ache a tua serva mercê diante de ti. Assim, a mulher se foi seu caminho e comeu, e o seu semblante já não era triste.

19. Levantaram-se de madrugada, e adoraram perante o SENHOR, e voltaram, e chegaram a sua casa, a Ramá. Elcana coabitou com Ana, sua mulher, e, lembrando-se dela o SENHOR,

20. ela concebeu e, passado o devido tempo, teve um filho, a que chamou Samuel, pois dizia: Do SENHOR o pedi.

21. Subiu Elcana, seu marido, com toda a sua casa, a oferecer ao SENHOR o sacrifício anual e a cumprir o seu voto.

22. Ana, porém, não subiu e disse a seu marido: Quando for o menino desmamado, levá-lo-ei para ser apresentado perante o SENHOR e para lá ficar para sempre.

23. Respondeu-lhe Elcana, seu marido: Faze o que melhor te agrade; fica até que o desmames; tão-somente confirme o SENHOR a sua palavra. Assim, ficou a mulher e criou o filho ao peito, até que o desmamou.

24. Havendo-o desmamado, levou-o consigo, com um novilho de três anos, um efa de farinha e um odre de vinho, e o apresentou à Casa do SENHOR, a Siló. Era o menino ainda muito criança.

25. Imolaram o novilho e trouxeram o menino a Eli.

26. E disse ela: Ah! Meu senhor, tão certo como vives, eu sou aquela mulher que aqui esteve contigo, orando ao SENHOR.

27. Por este menino orava eu; e o SENHOR me concedeu a petição que eu lhe fizera.

28. Pelo que também o trago como devolvido ao SENHOR, por todos os dias que viver; pois do SENHOR o pedi. E eles adoraram ali o SENHOR.


Estrutura do texto:

a) 1-2. sem filho, sem esperança,

b) 3-8: a humilhação toma conta,

c) 9-18: a oração e voto de Ana,

d) 19-23: a alegria toma conta. O nascimento de Samuel,

e) 24-28: com filho, com esperança. Consagração de Samuel.

Sinalizando o texto:

  • Palavras relacionadas ao corpo da mulher: “ter filhos e não ter filhos” (v. 2.8.11.23); “filhos e filhas dela” (v. 4); “útero” (v.5.6); “seus lábios” (v. 13); “rosto” (v.18); “conhecer” (v.19); “concebeu” (v. 20); “deu à luz” (v. 20); “desmamado” (v. 22..23.24); “peito” (v.23).

  • O corpo da mulher parece controlado por Javé. Controlado a partir do templo de Javé (v. 5.6). O corpo é fecundo pela bênção do sacerdote Eli (v.17).

  • Disputa pela herança: filhos, filhas, mulher. Verbos de posse, pronomes possessivos. Vejamos: “filhos e filhas” (v.4); “seu filho” (v.23); “Elcana possuía duas mulheres” (v.2); “tua serva” (v. 11ª. 11b. 16.18); “lhe deres um filho homem” (v.11); “meu senhor” (v.15).

  • O texto desenvolve-se numa sociedade patriarcal. Nesta sociedade o corpo tem seu valor na medida em que reproduz. Este raciocínio passou pelas mentes de Ana e Fenena. Ana reflete uma vida marcada pelo quiriocentrismo. A narrativa chega ao auge com o voto de Ana (v. 9-18). O nome Ana é citado 19 vezes neste capítulo, significa “amável e querida”. Os defensores da monarquia apresentam-na como a personificação do povo querido, escolhido de Javé, o povo de Israel.

  • Santuário é a palavra chave para compreender nosso estudo. A expressão hekal é uma expressão usada tanto para designar palácio, mansão (1Rs 21,1; Os 8,14), como falar do templo, santuário (1Sm 1,9; Jr 24,1; Ag 2,15; Zc 6,14). Em nosso texto os redatores mostram que a bênção vem de Javé. O útero de Ana está voltado para satisfazer o sistema monárquico.

  • Os redatores josiânicos mostram que, com o nascimento do menino, a súplica dos humilhados é atendida por Javé, renascendo a esperança do povo. Samuel significa “o nome dele é Javé”. Javé responde o clamor do povo fazendo surgir um grande juiz, profeta e sacerdote que unge Saul (1Sm 10) e Davi (1Sm 16). Abre, assim, a nova era monárquica.

Conclusão:

· Vale destacar os opostos no texto:

Ana (v. 2.5) x Fenena (v. 2.4)

Sem filho (v. 2) x com filho (v. 23)

Humilhação (v. 6) x graça/alegria (v. 18)

Não se alimenta (v. 7.8) x comeu (v. 18)

Chorar/coração triste (v. 8) x o rosto não era mais o mesmo (v. 18)

Javé fechou o útero (v. 5.6) x Javé se lembrou dela (v.19).

Esterilidade (v. 5.6) x fertilidade/nascimento (v. 19.20)


[1] Cf. NAKANOSE, Shigeyuki, Javé fechou o útero, In EstBil, 54, 1997, p.34-43.


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Notas/ITESP – Lit. Deutr. – Frizzo –

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